Não dava, não dava mais. Não dava mesmo. Que fossem pragmáticos, pelamordedelz! Não tinha mais como dar certo e não era por falta de tentativa, conviessem!
“Então tá... Então tá bom, né... Ok!... Hm... eu vou arrumando minhas coisas já... Já tiro tudo daqui... Yeah... I’m already gone” O olhar dócil, bem de viés esperando e quase que impondo uma açãozinha de clemência, um passinho atrás...
Mas não. Conhecia perfeitamente esse olhar! Era bem assim o efeito dele: a gente ficava doendo de compaixão e oferecia um abraço de amigo, que rapidamente já virava um abraço de urso, bem forte, e depois, de jiboia, que prendia todos os membros e deixava a gente sem ar, sem ação, sem nada, prontinho pra ser devorado. E era, se era! Daí, toda a conversa adulta e madura, toda a segurança de um discurso bem articulado, tudo perdia o efeito, porque é claro que esses abraços de jiboia têm alguma coisa que entorpece os sentidos - grandes inimigos do homem racional nessas horas - e a gente acaba inevitavelmente na cama, justamente com a pessoa que já deveria ter dobrado a esquina. Era por isso que esperava que as malas fossem feitas sem encarar olharzinho nenhum. E não iria pra um outro cômodo também, ficaria ali pra se certificar de que não sobraria nem uma pecinha de roupa, nem um vidrinho de perfume, ou qualquer outra coisa que fosse um pretexto em potencial pra uma visitinha. E rápido com isso que não tinha o dia todo não-senhor!
“Ok, ok... Não precisa ser tão desagradável... Sorry, ok! É que bateu uma leseira... Já fumei uns três agora de tarde... Ãh-hã, mas... You know... preciso de muita calma quando alguém vai me pôr pra fora de casa, sabe... Tem que fumar, né, fazer o que mais...”
Pois é, precisava ficar calmo, que remédio?! Não tinha a menor disposição pra jogar nada pela janela do apartamento – que mico! Daí era melhor apertar um também e fumar enquanto esperava. E foi o que fez... Deu um tapa... Forte... Soltou, tossiu. Tossiu... tossiu mais. Respirou... Outro trago... Respirou... Mais outro. Ofereceu a vez, que não foi aceita. “Tou bem já...” Certo, continuava fumando então.
E ficava olhando aquela pessoa arrumando roupas lentamente... Separando o que estava sujo do que estava limpo... Abrindo uma grande mala... Separando as calças, guardando no fundo... Alisando com a mão – “Não gosto que amassem...” - ... E, de repente já não era mais uma pessoa. Não era não, olha só, era uma figurinha... Estranha, tão delicada, tão delgada, tão branca... Gostava daquela malemolência toda, era como a fumaça de um incenso, ou como o leite no percurso entre a caixinha e a caneca... Era assim talvez: se o incenso fumaçasse leite, seria igual àquela figura. Nossa, tão delicada! Coisa linda... linda... Muito linda! Era o jogo nas munhecas que ele gostava mais. Nas munhecas e no pescoço, uma elasticidade, todos os movimentos tão redondos e lentos... Muito bom de se olhar, encantador mesmo. E não deixava de reparar também nos movimentos da cintura, dos ombros, do queixo, dos dedos. Ah, meldelz! Não tinha a menor dúvida de que era aquele o corpo que mais lhe tinha dado prazer em toda a vida... E era difícil, muito difícil se desfazer de uma coisa como essa... Porque desejo é aquela coisa... cala fundo na alma da gente e ainda tem a natureza fácil de se entrelaçar ao amor e à paixão e daí... Daí é o melhor sexo que se pode ter, o que mistura desejo, paixão, amor e um pouco de raiva, pra o jogo ficar mais interessante...
“Hey! Tá viajando, ãh?” Olharzinho de novo, vozinha bem baixa, bem de veludo.
Esteve, mas não estava mais. Sabia que se continuasse nessa divagação, o tal olharzinho surtiria o efeito certo e era isso o que ele menos queria. Tinha de raciocinar, de fazer tudo certo dessa vez, bastava de perder a cabaça... Mas olhava e permanecia olhando... Tinha era de dar um jeito de afastar as metáforas, que amor, amor e paixão e coisa e tal, tudo isso se funda muito em metáforas. Era melhor traduzir a cena numa fórmula, uma formulazinha redutora. Vamos lá: leite + fumaça de incenso + jogo na munheca = desejo + processo de falência autosustentável. Precisava atinar com isso... É, não podia esquecer mesmo, olha o perigo! Imagina só! Se bem que podia se enroscar só uns quinze minutinhos, tipo um bota-fora, alguma coisa assim... Mas não, mas nada! Porra nenhuma!!! Não podia de jeito nenhum, nem pensar em pensar em...
“Você gosta de me ver né?... O lamentável disso tudo é a gente não poder se ver mais porque eu também gosto que você me olhe...” E tirou a camiseta. Que não tirasse não! Já tinham falado disso! “Take it easy! Vou só trocar... Vou... pegar uma limpa... eu dormi com essa aqui ontem...” Espreguiçou... Espreguiçou devagar... Alongando... Alongando bem a silhueta esguia... Esticou o queixo e até os dedos, que nem gato faz quando acorda... E se recompôs, também que nem gato... E passou a cara pelo ombro, também que nem gato... E olhou de viés outra vez, também que nem gato... E tínhamos então um gato perfeito. E também mais uma metáfora. Parasse com aquilo. “Isso o que?” Sabia, sabia sim. “Para você...”
Fechou os olhos com força, a essa altura estavam secos, mau efeito da maconha. Antes de tornar a abrir notou que sentia o cheiro de um perfume fresco muito mais próximo que antes... Teve medo de abrir os olhos e constatou que estava retardado por ter fumado demais. Teve medo... Teve vertigem... Sentiu um hálito no pescoço... “Cê é mais alto que eu... dá pra pegar a outra... mala lá em cima?” Não quis responder... Não quis abrir os olhos... Estava muito perto, perfumado, sem camisa, só com aquela calça-jeans justinha... “Cê tem medo de mim?... Fica não... É bom...” Sabia... Ah, como sabia! Mas não dava, tinha de ter juízo, pelamordedelz, não tinha mais como! “É só hoje...”
Quando por fim abriu os olhos, já era muito tarde porque o perigo maior estava bem ao alcance da boca, úmido e quente. “Me beija...” Não teve jeito, beijou. “Me beija de novo...” Precisava que ele entendesse que já tinha acabado, que não podia ser, que não eram os homens certos um para o outro... “Me beija de novo...” Beijou... Deixou-se abraçar forte, forte, forte... Sentiu sufocar... E por quase um minuto esteve perdido à deriva em alto mar, num tipo de narcose que antecede o afogamento.
“Então tá... Então tá bom, né... Ok!... Hm... eu vou arrumando minhas coisas já... Já tiro tudo daqui... Yeah... I’m already gone” O olhar dócil, bem de viés esperando e quase que impondo uma açãozinha de clemência, um passinho atrás...
Mas não. Conhecia perfeitamente esse olhar! Era bem assim o efeito dele: a gente ficava doendo de compaixão e oferecia um abraço de amigo, que rapidamente já virava um abraço de urso, bem forte, e depois, de jiboia, que prendia todos os membros e deixava a gente sem ar, sem ação, sem nada, prontinho pra ser devorado. E era, se era! Daí, toda a conversa adulta e madura, toda a segurança de um discurso bem articulado, tudo perdia o efeito, porque é claro que esses abraços de jiboia têm alguma coisa que entorpece os sentidos - grandes inimigos do homem racional nessas horas - e a gente acaba inevitavelmente na cama, justamente com a pessoa que já deveria ter dobrado a esquina. Era por isso que esperava que as malas fossem feitas sem encarar olharzinho nenhum. E não iria pra um outro cômodo também, ficaria ali pra se certificar de que não sobraria nem uma pecinha de roupa, nem um vidrinho de perfume, ou qualquer outra coisa que fosse um pretexto em potencial pra uma visitinha. E rápido com isso que não tinha o dia todo não-senhor!
“Ok, ok... Não precisa ser tão desagradável... Sorry, ok! É que bateu uma leseira... Já fumei uns três agora de tarde... Ãh-hã, mas... You know... preciso de muita calma quando alguém vai me pôr pra fora de casa, sabe... Tem que fumar, né, fazer o que mais...”
Pois é, precisava ficar calmo, que remédio?! Não tinha a menor disposição pra jogar nada pela janela do apartamento – que mico! Daí era melhor apertar um também e fumar enquanto esperava. E foi o que fez... Deu um tapa... Forte... Soltou, tossiu. Tossiu... tossiu mais. Respirou... Outro trago... Respirou... Mais outro. Ofereceu a vez, que não foi aceita. “Tou bem já...” Certo, continuava fumando então.
E ficava olhando aquela pessoa arrumando roupas lentamente... Separando o que estava sujo do que estava limpo... Abrindo uma grande mala... Separando as calças, guardando no fundo... Alisando com a mão – “Não gosto que amassem...” - ... E, de repente já não era mais uma pessoa. Não era não, olha só, era uma figurinha... Estranha, tão delicada, tão delgada, tão branca... Gostava daquela malemolência toda, era como a fumaça de um incenso, ou como o leite no percurso entre a caixinha e a caneca... Era assim talvez: se o incenso fumaçasse leite, seria igual àquela figura. Nossa, tão delicada! Coisa linda... linda... Muito linda! Era o jogo nas munhecas que ele gostava mais. Nas munhecas e no pescoço, uma elasticidade, todos os movimentos tão redondos e lentos... Muito bom de se olhar, encantador mesmo. E não deixava de reparar também nos movimentos da cintura, dos ombros, do queixo, dos dedos. Ah, meldelz! Não tinha a menor dúvida de que era aquele o corpo que mais lhe tinha dado prazer em toda a vida... E era difícil, muito difícil se desfazer de uma coisa como essa... Porque desejo é aquela coisa... cala fundo na alma da gente e ainda tem a natureza fácil de se entrelaçar ao amor e à paixão e daí... Daí é o melhor sexo que se pode ter, o que mistura desejo, paixão, amor e um pouco de raiva, pra o jogo ficar mais interessante...
“Hey! Tá viajando, ãh?” Olharzinho de novo, vozinha bem baixa, bem de veludo.
Esteve, mas não estava mais. Sabia que se continuasse nessa divagação, o tal olharzinho surtiria o efeito certo e era isso o que ele menos queria. Tinha de raciocinar, de fazer tudo certo dessa vez, bastava de perder a cabaça... Mas olhava e permanecia olhando... Tinha era de dar um jeito de afastar as metáforas, que amor, amor e paixão e coisa e tal, tudo isso se funda muito em metáforas. Era melhor traduzir a cena numa fórmula, uma formulazinha redutora. Vamos lá: leite + fumaça de incenso + jogo na munheca = desejo + processo de falência autosustentável. Precisava atinar com isso... É, não podia esquecer mesmo, olha o perigo! Imagina só! Se bem que podia se enroscar só uns quinze minutinhos, tipo um bota-fora, alguma coisa assim... Mas não, mas nada! Porra nenhuma!!! Não podia de jeito nenhum, nem pensar em pensar em...
“Você gosta de me ver né?... O lamentável disso tudo é a gente não poder se ver mais porque eu também gosto que você me olhe...” E tirou a camiseta. Que não tirasse não! Já tinham falado disso! “Take it easy! Vou só trocar... Vou... pegar uma limpa... eu dormi com essa aqui ontem...” Espreguiçou... Espreguiçou devagar... Alongando... Alongando bem a silhueta esguia... Esticou o queixo e até os dedos, que nem gato faz quando acorda... E se recompôs, também que nem gato... E passou a cara pelo ombro, também que nem gato... E olhou de viés outra vez, também que nem gato... E tínhamos então um gato perfeito. E também mais uma metáfora. Parasse com aquilo. “Isso o que?” Sabia, sabia sim. “Para você...”
Fechou os olhos com força, a essa altura estavam secos, mau efeito da maconha. Antes de tornar a abrir notou que sentia o cheiro de um perfume fresco muito mais próximo que antes... Teve medo de abrir os olhos e constatou que estava retardado por ter fumado demais. Teve medo... Teve vertigem... Sentiu um hálito no pescoço... “Cê é mais alto que eu... dá pra pegar a outra... mala lá em cima?” Não quis responder... Não quis abrir os olhos... Estava muito perto, perfumado, sem camisa, só com aquela calça-jeans justinha... “Cê tem medo de mim?... Fica não... É bom...” Sabia... Ah, como sabia! Mas não dava, tinha de ter juízo, pelamordedelz, não tinha mais como! “É só hoje...”
Quando por fim abriu os olhos, já era muito tarde porque o perigo maior estava bem ao alcance da boca, úmido e quente. “Me beija...” Não teve jeito, beijou. “Me beija de novo...” Precisava que ele entendesse que já tinha acabado, que não podia ser, que não eram os homens certos um para o outro... “Me beija de novo...” Beijou... Deixou-se abraçar forte, forte, forte... Sentiu sufocar... E por quase um minuto esteve perdido à deriva em alto mar, num tipo de narcose que antecede o afogamento.