Havia nove noites vez que não conseguia ter uma noite de sono que prestasse – dormia menos que quatro horas e por isso andava trêmulo, muito irritadiço e também meio choroso. Havia quatorze dias que passava mal com quase tudo o que comia, exceto pão – uma queimação no estômago violenta e nojentíssimos refluxos que já não se curavam com sal de frutas nem com leite de magnésia. Havia também quatro semanas que não trepava e isso era um sério complicador pra um cara como ele, que sempre viu sexo como uma necessidade biológica tão básica quanto comer, mas isso era parte da causa dos seus problemas e não um sintoma...
Jac estava achando que precisava mesmo era de um bom analista, precisava de terapia, tinha de falar com alguém urgentemente. Precisava descarregar o peso que o trabalho acumulava na sua cabeça, porque estava foda! Era muita, muita coisa acontecendo. Andava procurando resolver problemas judiciais de um cliente antigo que só complicava a situação mais e mais a cada vez e cobrava resultados rápidos o tempo todo. Esse cara, era obvio, não ia nada com a cara do Jac e se queixava pra o velho pai sobre a ineficiência do filhinho dele – só não chamava de viadinho porque se o casamento com a Livi era um fracasso, servia pelo menos pra calar a boca de cretinos como aquele, mas era certo que o escroto queria muito chamar de viadinho. Puta saco! (Neuroticamente o Jac não queria acreditar que uma opção sexual, que estava mais pra condição do que pra opção, podia gerar um estereótipo que interferisse tanto no seu trabalho a ponto de perder o respeito, muito embora soubesse que era assim mesmo, que vivia no Brasil e no Brasil era assim e quase agradecia intimamente ao pai por ter obrigado a casar; quando Jac se deprimia essa neurose vinha com toda força lhe perturbar). Paralelo a isso ainda tinha o pessoal do escritório, os outros sócios que também não engoliam o Jac porque ele tinha lá seus planos humanitários de dar assistência gratuita a quem não podia pagar, afinal advocacia tinha que ser acessível a todo mundo – ele sempre tinha achado isso e a Livi lhe deu força pra pôr a idéia em prática, tão linda ela! – mas os velhos filhosdumaputamercenáriosdesgraçados estavam mais a fim de encher o rabo de grana e sobrecarregavam os outros advogados com as maiores besteiras pra não sobrar tempo pra ninguém ajudar o Jac. Tinha também uma tensão horrorosa com o Claudinho que não se conformava com o fim do namoro porque tinha certeza de que o Jac ainda gostava dele e não estava totalmente descoberto de razão, mas o fim do namoro ainda pesava menos do que o motivo do fim, que era fazer bonito pra papai bater palminha – o Cláudio estava se tornando um verdadeiro ativista gay depois que Jac se casou. E ainda tinha a vaca da Tina que queria ter se casado com o Jac no lugar da Livi de qualquer jeito, porque já que ele tinha que ter uma mulher e não curtia, podia ser qualquer uma e ela que já era doidinha pra cair numa cama com ele, se a cama estivesse num belo apartamento nos Jardins seria muito melhor ainda. Ela não se conformava em ter perdido a guerra pra uma moça que chamava muito menos atenção do que ela e dizia o dia todo que a Livi era uma “baratinha descascada” e “arrivista social”. Tudo isso, todo dia, num único andar de um prédio e o Jac ali no meio, se sentindo como sendo cozido na pressão. Pra alimentar as chamas desse inferno a Livi tinha resolvido, por alguma razão misteriosa, que só ia pro trabalho pra cumprir horário e não ia fazer porra-nenhuma direito, o que o obrigava a ter de revisar todo o trabalho dela sempre já que não queria repassar pra outra pessoa que fosse contar a situação pra papai – dentro do escritório ele passava a imagem do casamento perfeito sempre.
Mas era evidente que o casamento era um verdadeiro lixo e que ele segurava nos dentes a imagem da perfeição. Precisava da ajuda dela e ela não estava disposta a fazer nada por ele, nem quarto adentro nem quarto afora. Passava os dias com o olhar perdido, longe demais, voejando por algum oceano em outras realidades... Se ele a chamava, armava uma cara de tédio implacável, caminhava muito indolente, não ouvia o que ele dizia. Choramingava pelos cantos da casa quase o tempo todo aos finais de semana em vez de apanhar sol ou fazer qualquer outra coisa de útil, ficava parecendo ele nem sabia o que com aquela cara-deprê. Ah, e claro, fechou o parque de diversão por tempo indeterminado. Era lógico que ela sabia que o Jac não a obrigaria a dar pra ele já que não era nenhum selvagem e aproveitava a situação, dizia que não tinha clima e coisa e tal. Tudo bem, tudo bem. Mas era mais lógico ainda que se ela fizesse um esforcinho pra que a convivência deles fosse a melhor possível, teria clima... Vinha com aquele papo de que o casamento deles era uma mentira, mas pra o Jac nunca havia sido, não tinha mentira nenhuma, era só que ele encurtou o caminho e casou sem ter namorado, mas casou com ela gostando um pouco sim, por que era que ela não adotava uma política de gostar-progressivo também? Ele havia adotado e, pra desgraça própria, dava certo, mas tão certo que agora ele estava apaixonado feito um idiota e sentia o estômago retorcer a cada vez em que ela o repelia. Estava começando a se desesperar porque achava que não havia mais o que fazer pra agradar aquela mulher e não podia prescindir dela. Dia após dia carecia dela mais e mais e em contrapartida ela ia pra mais e mais longe.
A válvula de escape de tanta pressão tinha preço – dois o grama –, tinha nome – era maconha. Fumava compulsivamente durante as noites de insônia, enquanto escrevia petições. Fumava antes de ir trabalhar e quando voltava, fumava pra jantar e pra tomar banho, fumava por qualquer motivo ou mesmo sem motivo nenhum. O Jac sempre se gabou de ser um cara muito moderado mas agora estava perdendo o controle da situação. Fumar não ajudava em nada mas lhe dava uns momentos de calma, levava seus pensamento em outras direções e evitava o choro. Mas essa noite não... Essa noite não estava dando certo. Essa noite a Livi tinha se deitado sem se despedir, tinha vindo jantada da rua, tinha batido a porta do banheiro bem na cara quando foi cumprimentar “Preciso de um banho pra ontem!” Essa era uma noite em que corria tanto perigo que achava que se alguém ligasse, ali, no meio da madrugada, e dissesse um eu-gosto-de-você qualquer ele iria onde quer que fosse pra se jogar num colo imediatamente. Estava sem comer, estava sem dormir, estava sem trepar, estava numa condição subumana e não tinha previsão de quando tudo isso ia passar, mas os prognósticos eram os piores possíveis.
Sem saber bem por que e sem ver o que fazia, deitou-se no tapete, juntou os joelhos ao queixo e chorou engasgando muito e se perguntando viciosamente o que estava fazendo com a própria vida.
Jac estava achando que precisava mesmo era de um bom analista, precisava de terapia, tinha de falar com alguém urgentemente. Precisava descarregar o peso que o trabalho acumulava na sua cabeça, porque estava foda! Era muita, muita coisa acontecendo. Andava procurando resolver problemas judiciais de um cliente antigo que só complicava a situação mais e mais a cada vez e cobrava resultados rápidos o tempo todo. Esse cara, era obvio, não ia nada com a cara do Jac e se queixava pra o velho pai sobre a ineficiência do filhinho dele – só não chamava de viadinho porque se o casamento com a Livi era um fracasso, servia pelo menos pra calar a boca de cretinos como aquele, mas era certo que o escroto queria muito chamar de viadinho. Puta saco! (Neuroticamente o Jac não queria acreditar que uma opção sexual, que estava mais pra condição do que pra opção, podia gerar um estereótipo que interferisse tanto no seu trabalho a ponto de perder o respeito, muito embora soubesse que era assim mesmo, que vivia no Brasil e no Brasil era assim e quase agradecia intimamente ao pai por ter obrigado a casar; quando Jac se deprimia essa neurose vinha com toda força lhe perturbar). Paralelo a isso ainda tinha o pessoal do escritório, os outros sócios que também não engoliam o Jac porque ele tinha lá seus planos humanitários de dar assistência gratuita a quem não podia pagar, afinal advocacia tinha que ser acessível a todo mundo – ele sempre tinha achado isso e a Livi lhe deu força pra pôr a idéia em prática, tão linda ela! – mas os velhos filhosdumaputamercenáriosdesgraçados estavam mais a fim de encher o rabo de grana e sobrecarregavam os outros advogados com as maiores besteiras pra não sobrar tempo pra ninguém ajudar o Jac. Tinha também uma tensão horrorosa com o Claudinho que não se conformava com o fim do namoro porque tinha certeza de que o Jac ainda gostava dele e não estava totalmente descoberto de razão, mas o fim do namoro ainda pesava menos do que o motivo do fim, que era fazer bonito pra papai bater palminha – o Cláudio estava se tornando um verdadeiro ativista gay depois que Jac se casou. E ainda tinha a vaca da Tina que queria ter se casado com o Jac no lugar da Livi de qualquer jeito, porque já que ele tinha que ter uma mulher e não curtia, podia ser qualquer uma e ela que já era doidinha pra cair numa cama com ele, se a cama estivesse num belo apartamento nos Jardins seria muito melhor ainda. Ela não se conformava em ter perdido a guerra pra uma moça que chamava muito menos atenção do que ela e dizia o dia todo que a Livi era uma “baratinha descascada” e “arrivista social”. Tudo isso, todo dia, num único andar de um prédio e o Jac ali no meio, se sentindo como sendo cozido na pressão. Pra alimentar as chamas desse inferno a Livi tinha resolvido, por alguma razão misteriosa, que só ia pro trabalho pra cumprir horário e não ia fazer porra-nenhuma direito, o que o obrigava a ter de revisar todo o trabalho dela sempre já que não queria repassar pra outra pessoa que fosse contar a situação pra papai – dentro do escritório ele passava a imagem do casamento perfeito sempre.
Mas era evidente que o casamento era um verdadeiro lixo e que ele segurava nos dentes a imagem da perfeição. Precisava da ajuda dela e ela não estava disposta a fazer nada por ele, nem quarto adentro nem quarto afora. Passava os dias com o olhar perdido, longe demais, voejando por algum oceano em outras realidades... Se ele a chamava, armava uma cara de tédio implacável, caminhava muito indolente, não ouvia o que ele dizia. Choramingava pelos cantos da casa quase o tempo todo aos finais de semana em vez de apanhar sol ou fazer qualquer outra coisa de útil, ficava parecendo ele nem sabia o que com aquela cara-deprê. Ah, e claro, fechou o parque de diversão por tempo indeterminado. Era lógico que ela sabia que o Jac não a obrigaria a dar pra ele já que não era nenhum selvagem e aproveitava a situação, dizia que não tinha clima e coisa e tal. Tudo bem, tudo bem. Mas era mais lógico ainda que se ela fizesse um esforcinho pra que a convivência deles fosse a melhor possível, teria clima... Vinha com aquele papo de que o casamento deles era uma mentira, mas pra o Jac nunca havia sido, não tinha mentira nenhuma, era só que ele encurtou o caminho e casou sem ter namorado, mas casou com ela gostando um pouco sim, por que era que ela não adotava uma política de gostar-progressivo também? Ele havia adotado e, pra desgraça própria, dava certo, mas tão certo que agora ele estava apaixonado feito um idiota e sentia o estômago retorcer a cada vez em que ela o repelia. Estava começando a se desesperar porque achava que não havia mais o que fazer pra agradar aquela mulher e não podia prescindir dela. Dia após dia carecia dela mais e mais e em contrapartida ela ia pra mais e mais longe.
A válvula de escape de tanta pressão tinha preço – dois o grama –, tinha nome – era maconha. Fumava compulsivamente durante as noites de insônia, enquanto escrevia petições. Fumava antes de ir trabalhar e quando voltava, fumava pra jantar e pra tomar banho, fumava por qualquer motivo ou mesmo sem motivo nenhum. O Jac sempre se gabou de ser um cara muito moderado mas agora estava perdendo o controle da situação. Fumar não ajudava em nada mas lhe dava uns momentos de calma, levava seus pensamento em outras direções e evitava o choro. Mas essa noite não... Essa noite não estava dando certo. Essa noite a Livi tinha se deitado sem se despedir, tinha vindo jantada da rua, tinha batido a porta do banheiro bem na cara quando foi cumprimentar “Preciso de um banho pra ontem!” Essa era uma noite em que corria tanto perigo que achava que se alguém ligasse, ali, no meio da madrugada, e dissesse um eu-gosto-de-você qualquer ele iria onde quer que fosse pra se jogar num colo imediatamente. Estava sem comer, estava sem dormir, estava sem trepar, estava numa condição subumana e não tinha previsão de quando tudo isso ia passar, mas os prognósticos eram os piores possíveis.
Sem saber bem por que e sem ver o que fazia, deitou-se no tapete, juntou os joelhos ao queixo e chorou engasgando muito e se perguntando viciosamente o que estava fazendo com a própria vida.
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