O Jac estava parado na calçada da Berrini, esperando a Livi chegar pra provar o vestido que ele havia desenhado inspiradíssimo na curvas sinuosas do corpo dela – ela tinha um rosto estranho, mas era uma gata de corpo e isso precisava ser muito valorizado, com um vestido divino, todo prateado. Certo, o papai queria que ele se casasse pra provar que não era um transviado (ah-cacete, transviado era demais! Que figura, viu!) e ali estava, com aliança no bolso pra pôr na mão de uma menina bem inteligente e escandalosamente gostosa, pra não terem mais dúvidas de que ele tinha... respeitabilidade, maturidade, responsabilidade, em resumo: pra provar que não era playboy e principalmente que gostava de mulher. Muito-bem, se tinha que ser assim, então que fosse, mas ao estilo do Jac, claro, pra dar uma modernizada no que havia de mais conservador. Nada de vestido-da-mamãe, se casaria em alto-estilo, alguma coisa assim, glamourosa... Se não era o casamento com quem queria de-verdade, pelo menos teria uma festa divertida, um apartamento em Cerqueira César de presente, um hospital bom pro pai da menina e uma bela viagem de lua-de-mel... Até que estava no lucro afinal, se não fosse pelo pequeno detalhe da separação com o Cláudio, que agora odiava o Jac com ódio-mortal, se não fosse isso... Dureza foi pensar em fazer com aquela menina a viagem que devia fazer com ele quando fossem morar juntos... Poderiam ter morado juntos, até fizeram planos. Mas era tudo tão agressivo, tão difícil, trabalho X paixão, o racionalismo falando mais alto mas dando um prejuízo tão grande pro peito... Tudo bem, o tempo ainda passaria, podia ficar gostando da Livi, ela não tinha nada de que os homens não gostassem, acabaria se acostumando com ela...
E poderia conseguir até com certa facilidade, agora vendo ela vir em sua direção acreditou nisso, ela vindo de azul, o corpo tão bem-feito dentro de um vestido justo, era bonita sim e leve... Caminhava tão leve, não era feito aquelas meninas que usavam saltos de quinze centímetros, mal se equilibravam em cima e socavam o chão feito umas éguas, a Livi não. Ela vinha vindo lá de longe, tinha um monte de homem olhando enquanto passava, um monte de cara mexendo com ela mas nem parecia que ela ouvia... E não ouvia de-verdade, olha que coisa, ela vinha escutando MP3, agora dava pra ver... De óculos escuros, os cachinhos voando, tão distraída, meu-deus, que mulher relaxada, nem devia estar vendo que o Jac estava ali, a cinco passos dela, não via nada, completamente alheia a tudo o que se passava nesse mundo...
A moça ia aonde? Se assustava, que bonitinha! “Desculpa, João Carlos, eu ando distraída...” Beijinho no rosto, muita cortesia pra o gosto do Jac, que-nem o desculpa-João-Carlos dela que não acontecia nunca antes de noivarem. Chamasse de Jac, por-favor, ou só João se preferisse. “Tá, tá... Eu vou me lembrar disso. Quer beijo-na-boca também? Vem cá...” Riu, deu selinho, pegou a mão dele, foram andando até a alfaiataria. Às vezes ela ficava meio afetada, parecia estar num filme, muito estranha, muito distante da própria vida, no que estaria pensando? “Pensamentos aleatórios, meu noivo” – ria e ria e ria... O Jac também gostaria de saber o que tinha tanta graça, porque a situação dele e principalmente a dela não eram nem um pouco confortáveis, mas também achou bom que não estivesse stressada como ele estava. Ela agora provava o vestido, o costureiro aplicava alguns alfinetes pra ajuste, e ela começava a rir novamente. Ria irônica? Não dava pra saber... “Isso não é exatamente um vestido de noiva, né, João?” O vestido era perfeito, muito lindo, estava orgulhoso de si por ter desenhado uma coisa tão bonita e tão feminina e tão delicada e a cor de prata caia bem na pele bronzeada, o tecido era perfeito, o caimento... Mas a cabeça estalou de repente: que coisa chata, a moça estava vestida bem em frente e ele encantado com a própria obra em vez de elogiá-la, que coisa mais gay. Falava então, ela estava parecendo uma diva e o Jac nem acreditava que tudo-aquilo seria dele dali a pouquinho. Mas ela não parecia ter gostado de ouvir aquilo, talvez tivesse sido vulgar e sendo ou não sendo agora já tinha dito. A propósito, que aproveitasse a despedida de solteira, o casamento estava chegando! Já tinha preparado alguma coisa? Não? Certo, devia estar de cabeça quente, ele mesmo também não tinha pensado em nada e já se preparava pra passar os dois últimos dias de solteiro no celibato mesmo. Mas, se servisse de consolo, iriam pra Ibiza na lua-de-mel, pra namorar numa rave tomando pastilha...
“João, a gente... A gente vai pra Ibiza... namorar?” – cara de espanto grande! Sim a princípio, ela teria alguma idéia melhor? “É que eu não pensei em lua-de-mel... E essa coisa de namorar na rave... A gente tem mesmo...?” O Jac percebeu que provavelmente não estava sintonizado nela pelo estranhamento que a idéia causava. Como assim teriam-mesmo? Estaria falando da rave ou de namorar? “De namorar, claro. Já vou me casar com esse vestido absurdo, tanto faz ir pra rave ou pro campo, agora isso de a gente namorar...” Não continuasse a falar, por-favor, que tinha gente olhando, o vestido estava bom, deixassem lá e fossem almoçar pra falar disso, tinha um restaurante italiano legal bem do lado da rua. Na verdade essa não era bem a resposta que ele queria ter dado, mas não sabia o que dizer, em nenhum momento imaginou que ela não soubesse o que estava fazendo ao aceitar se casar e, como ela havia aceitado de pronto, achou até que gostasse dele ou que se sentisse atraída, sabia lá, foi pego de surpresa mesmo... Ãh, uma salada-carpaccio por-favor, tava morrendo de calor e precisava comer alguma coisa fresca. “Surpresa sou eu que tou, cara... Eu... É que você é gay e... Não achei que você quisesse ficar comigo” Ah, era gay, evidentemente, gostava de homens sim, mas nada contra namorar mulheres, era que com homens era muito mais gostoso, mas mulheres eram até mais bonitas, já tinha tido namorada duas vezes, mas os namoros terminavam porque o Jac acabava se interessando por algum menino e rompia antes de trair, não achava certo e... “Mas... Mas João, a gente não namora... Você... A gente... A gente vai começar do começo e... dormir junto todo dia? É mesmo?” – o estranhamento dela começava a incomodar. Como era possível ela achar que não? Não dava nem pra acreditar que ela estava falando sério!... Bom, o Jac não ia viver nenhuma mentira com ela, estava se casando de verdade, queria uma mulher de direito e fato e se ela não gostava dele poderia arranjar um caso – com discrição se negocia qualquer coisa nesse mundo! – só não viesse pedir pra não dormirem juntos... Dormir separado aliás ele também aceitava, preferia não mas aceitava, agora abrir mão de sexo com a própria esposa estava fora de cogitação e se era o que ela temia, que desculpasse: sem acordo.
Agora dava até pena dela, a carinha que fazia era a de quem recebeu um passivo imenso como espólio e não tinha como pagar. Mas fazer o que, não era verdade? Na vida não se podia sair aceitando contratos sem ler tudo o que estava escrito, ela tinha que ter pensado em tudo, em tudo mesmo. A chance de desistirem do casamento existia, mas não ajudaria ninguém então o Jac nem iria propor como solução, deixaria que partisse dela se fosse o caso. Estavam em silêncio agora, comendo, ela não ria mais de nada não, o que era uma pena porque o Jac não a queria chateada. Mas a história era estranha, ainda estava sem entender a razão pela qual ela achava que não precisavam ficar juntos, podia ser que tivesse um namorado e não quisesse falar, mas o Jac não queria nem saber, queria que se fodesse, ela que prestasse mais atenção antes de aceitar proposta de casamento. Esperava só que ela não mantivesse aquela cara por muito tempo, que não fizesse do casamento um inferno, mas sabia que cabia a ele saber seduzir e conquistar a mulher e ia dar-um-jeito nisso – o Jac sempre foi pró em dar-um-jeito nas coisas.
12 de dezembro de 2007
Ato 22
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