13 de dezembro de 2007

3. as pedras


Eram seios épicos, dignos de toda uma epopeia, quase um imperativo para o olhar. Não dava pra se desviar deles, nem sendo bicha. Na verdade, gostava muito dos seios das meninas, mas só quando eram grandes assim, que nem os da Livi. Nunca olhava com desejo, era mais o prazer estético mesmo, ver uma coisa linda e feminina e redonda e macia... Era isso. Achava as mulheres coisas muito lindas de se ver e muito raramente se sentia impelido a tocar em alguma – precisava de muito estímulo pra querer. E bem no fundo, mas bem lá no fundo mesmo, gostava de ter um olhar das mulheres que os outros homens não tinham... Essa coisa de não ver mulheres como se vê carne o agradava bastante, dava a sensação de ser bem civilizado e moderno e elegante e o Jac gosta muito de tudo isso...

“Tudo bem com você, menino lindo?” ela perguntava sempre sorrindo e vinha até ele passando o dedinho pela parede. Sim, estava bem e melhorando, muito contente em vê-la ele havia ficado. Conversaram sobre qualquer outra coisa bem sem importância: ela desviava os olhos em várias direções enquanto ele a olhava muito fixamente... Gostava dela em seu modo de falar e andar e rir. E ela adorava jazz, meldelz, uma moça tão novinha que gostava de jazz, olha só! Muito inteligente e sabida das coisas, como uma tia gostava de falar. Bonita, quase linda, com aquela carinha estranha onde olhos era muito maiores do que nariz e boca. Tinha uma simpatia irresistível por ela... era sim... Como era? O que havia dito por fim? Desculpasse, esteve desatento...
“Nada demais, Jac, uns problemas de grana, pra variar... Tou meio encrencada...” Um sorriso azedo que doía! Mas era coisa muito séria? Era de muito dinheiro que precisava? “Puta!!! Uma quantia tamanha que nem cabe na minha boca pra eu falar dela... A sifra podia ser em dólar, pra você ter uma ideia...” Fechou os olhos com força e os abriu novamente... Entortou a boca e respirou fundo. Nossa, mas em que encrenca ela havia se metido afinal? “Vix, história chata e bem demorada... Coisa antiga... Te conto depois porque tenho que entrar pra trabalhar, né, chefe?!" Riram, era chefe porra nenhuma, parasse com aquilo. Riram de novo, estava certa, precisavam entrar que ele tinha uma pilha de petição pra escrever e ela outra pilha para revisar.

Queria na verdade ter ficado com ela pra saber o que estava acontecendo de tão sério, ela estava com uma expressão leve mas não julgou que estivesse realmente tranquila. Mas realmente, não era chefe dela pra se dar ao luxo de dispensá-la... Muito embora devesse ser e seria! Seria se não fosse aquele velho filhodumaputa que era o maior sócio do escritório e pai-carrasco ao mesmo tempo, o filhodaputa! Filhodaputa sim, mil vezes, filhodaputa! Tava acabando com a vida do Jac com aquela historinha estúpida de casamento... Absurdo! Ter que se casar pra conseguir uma coisa que trabalhou muito e muito mesmo, a vida todinha, na verdade, só trabalhando em função disso e o velho vinha com aquela conversinha patriarcal e antiquada de casamento. E o escritório era dele!!! Não tinha nada a fazer a não ser obedecer e ficar no lugar do desgraçado ou ser empregado pro resto da vida e conviver com a certeza de que havia jogado um tempo precioso da vida no lixo. Agora tinha plena consciência de que seu pai tinha simplesmente lhe roubado a adolescência! Estudava feito um desesperado porque o velho se recusava a pagar um cursinho e trabalhava porque tinha de “aprender a dar valor ao dinheiro e ao trabalho em si também”: “você só é um ser humano de verdade se pode viver pelos próprios meios, João Carlos”, foi essa a sentença que o velho deu, trabalhar mesmo sem precisar, ou melhor, trabalhar principalmente por não precisar. Mas tava certo, acabou que tinha se acostumado muito com trabalhar e nem se imaginava vivendo feito playboy... Havia se tornado um viciado em trabalho ao fim das contas, principalmente depois de ver que seu esforço gerava grandes progressos, mas olha só que lindo! Tinha começado como office-boy, depois estagiário, depois advogadinho e agora era advogado fodão, muito considerado. Mas não estava na droga da sociedade porque não era casado, porque não tinha mulher, não tinha família, não tinha moral. Tínhamos aí o problema de ser gay e escolher uma carreira convencional orientada por papai, papaizinho com uma cabecinha de século XIX a mula-empacada-maldita-filhadaputa, sempre tão duro, sempre impedindo seu caminho! Já fazia quase três anos que estava nessa situação de sinuca de bico, sem ter como resolver... E não tinha jeito, gostava de namorar homens, não queria muito arrumar uma namorada, principalmente se fosse uma dessas meninas bonitinhas e burrinhas e espertinhas e que são doidas por carro e grana e vão se virar pra arranjar um caso com o instrutor da academia na primeira chance... E mesmo que conseguisse uma garota legal, nem lembrava mais do que se deve fazer com uma mulher, nenhum ânimozinho, ia fazer uma coitada infeliz. Era desanimador pensar em tudo isso e tanto que já se tinha esquecido o motivo que o levou a reconsiderar – pela enésima vez – toda essa ideia do velho pai. Não se lembrava agora de que queria ajudar sua amiga, Jac estava mesmo envenenado de raiva e completamente cansado e achando que já passava da hora de deixar a tal pilha de petição em dia.

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