12 de dezembro de 2007

Ato 28

Outro aniversário de casamento, outro vestido desenhado pelo Jake, outra festa super chic, outra vez sorrisos gratuitos pra conhecidos – porque amigos mesmo a Livi tinha poucos e nenhum ia com a cara do Jac o bastante pra participar das festas dele, era uma gente meio cara-de-pau, que não ia resistir a dar umas tiradas em que estava ali pra fazer média... Como o Cláudio por exemplo, o ex do Jac que tinha ódio mortal da Livi mas estava todo simpático, cheio de sorrisos, até tirava pra dançar, mas que coisa! E a Livi? Ah, deixava... Fazer o que, causar só pra tirar o sossego do Jac? Nada, já tinha passado dessa fase! E depois, andava com a cabeça tão longe que tudo isso parecia bobagem. Tava pensando no Sea... Chateada, chateada mesmo... Triste de não ter jeito, o coração estralando num lugar-comum inesperado... Ai, caralho! Que coisa mais ruim! E o pior era que estava assim por responsabilidade própria, nunca devia ter ido pra cama com ele. Nunca! Mas foi... Viajou com ele pro Rio disposta a não deixar acontecer nada e deu certo, dormiram sono dormido e velado as três noites... pra se comerem alucinadamente assim que puseram os pés em São Paulo! Que cretina tinha sido em não escutar o próprio bom-senso, o Sea não era coisa que se tocasse, era um anjo e um amigo, amigo que adorava e que dava carinhos pra ela se sentir querida, um anjo mesmo... Mas ele fazia verão no corpo dela e alegria nas idéias, que azar! Nossa, meu-deus, que azar! Bem agora que não tinha tempo nem pra respirar direito, precisava tanto correr atrás do projeto do mestrado, o prazo tava apertado... Dois anos num amor de alma que foi se realizar justamente agora! A Livi era mesmo uma criança, era a Virgínia rodando tonta numa ciranda de pedra.

E que peso que dava no peito ao se lembrar da carinha dele depois de se despedirem na noite anterior, quando ele foi se afastando de cabecinha baixa, andar lento e afetadinho, o cabelo preso em rabo-de-cavalo e a franja verde caindo nos olhos, parecia uma menininha rejeitada. Tão diferente da solidez do Jac, que sempre insistia até tudo sair do jeito dele e quase nunca ficava sentido... Olhava pra ele agora e lá estava, estalando os dedos ao ritmo de Billie Holiday tão estiloso, comemorando o aniversário de casamento mais uma vez, usando todo o charme e a habilidade que tinha pra reconquistar a Livi – sabia que ela andava pensando no Sea, não era idiota, mas não dizia nada, fingia que não estava acontecendo, armava jantares, dava flores, fazia amor devagarinho pra agradar, que doce!, sempre tão sensato. Mas não dava pra corresponder agora, dava no máximo pra ser legal com ele, porque não conseguia tirar o Sea da cabeça, principalmente que ele tinha dito! Que horror, meu-deus! A cena não parava de se repassar e a voz dele quase gritava nos ouvidos da mente: “Sorry, I’m not your joke! E nem tempero do seu casamento sem-graça. A única vez que a gente ficou na minha casa foi a primeira e a gente nem conversa direito desd’esse dia, a aula termina, vai todo mundo embora, você me arrasta pro vestiário, me come, sai-fora e acha que é isso aí. But you’re completely wrong. I wanna hold you, I wanna sleep with you. I need to talk to you, I don’t need to fuck... Eu posso foder com qualquer um, não quero isso com você, se você não tem tempo pra gente, no-problem, we can be only friends and not to make sex again”. Na hora em que ele disse deu vontade de chorar e de gritar e de dar nele até, não parecia nada justo o que tava ouvindo porque em nenhum momento ela tinha considerado tudo como um jogo ou uma distração pro casamento, nada disso! Era que ela não estava com tempo, só isso, não tinha tempo pra conversar como antes... E se sentia uma centelha quando estavam próximos, o corpo ardia muito na falta dele, de forma que quando estavam sozinhos nem raciocinava direito, ia logo se livrando de tudo que era roupa. A bem da verdade até ali não havia parado pra pensar que isso podia ser instrumentalização, nunca imaginou usar o Sea e por isso nunca se preocupou com o que ele podia pensar, estava tão claro pra ela que era amigos-amantes... O pior era que examinando com cuidado, a reclamação tinha todo fundamento porque era o que a Livi dava a entender: que só estava afim de sexo mesmo, sem maiores conseqüências. E agora que pensava nisso não podia deixar de se questionar a respeito do que o Sea realmente significava. Não podia largar o Jac, não queria abrir mão do outro. Fazer o que, meu-deus, fazer o que? Não se tratava de jogar, era tudo o que sabia e se sentia afogada só de imaginar a cara-de-choro Sea. Nesse dia mesmo teve de encarar uma péssima, porque ele tinha convidado pra o happie-hour da academia e a Livi foi obrigada a recusar pra estar ali, com o maridão: o termo aniversário-de-casamento trocou o sorriso dele por uma lágrimazinha bem pequenininha no cantinho do olho que cuidou de secar antes que rolasse, mas que foi o bastante pra afogar a alma da Livi, porque ele agora devia estar pensando que tinha muita razão sobre as intenções ruins dela e não tinha! Podia jurar que não tinha! Ele tinha que ser mais amigo e tentar entender...

“Coelhinha, que carinha de brava é essa, meu amor? Toma mais champagne e vem dançar, olha o que tá tocando, sua música...” E ainda tinha que dar assistência pro Jac, que estava radiante, falando pra quem quisesse ouvir a Livi era especial, não-era-vulgar-como-as-outras... Não era mesmo, estaria certo sobre isso? A Billie nessa hora cantava tanto amor e mágoa, nada mais apropriado. O Jac oferecia a mão e um sorriso de cortesia que aconselhava a ir dançar em vez de choramingar pelos cantos do salão: “Vem, minha Josephine Baker dos trópicos, vem pra mim... Deixa pra lá isso que ce tá pensando e vem pra mim”. Certo, deixava sim... Deixava, só não sabia por quanto tempo... Mas deixava.

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