12 de dezembro de 2007

Ato 33: sábado de manhã - parte 1

“Hello!”

_Alô! Passa pra Livi!

“Take it easy, Jake! She’s sleepy…”

_Sea, ce vai passar pra ela agora!

“Escuta, se você não escutar vai ser pior pra você! Escuta, tá?... Tá mais calmo?”

_O que é, caralho? Onde é que ces tão? Cadê a Livi?

“O celular vai acabar a bateria. Você tem Skype?”

_Tenho. Mas não vai precisar, você vai me dizer onde ces tão e eu vou até aí agora.

“Jake, me adiciona no Skype se não, não vai dar. Anota aí...”

E vai o Jac pra o escritório, baseado na boca e enchente na alma, abrir o Skype, sabendo de antemão que se aborreceria com o que quer que ouvisse. Adicionou o endereço e viu a cara do Sea muito séria aparecendo, a imagem com pouca definição o tornava mais pálido e magro e com olhos mais placos. A voz era baixa, suave, nem de homem nem de mulher, uma calma-afetação: “Hi! Me desculpa por isso, eu não queria que nada assim acontecesse...” Desculpava o-caralho. Cadê a Livi? “Ela tá dormindo. É, tá dormindo. E eu não vou acordar agora”. Onde era que tavam? “Em Guarapiranga, é zona sul aqui, pertinho da represa, minha casa de verdade é aqui...” Que se fodesse onde era a casa dele, queria só a mulher de volta. Ia dar o endereço ou não? “Não Jake, so-sorry, não vai dar não, deixa ela em paz”. Mas deixar em paz o que, caralho? Era a mulher dele! “Coincidência, Jake, ela minha mulher também. E ce tá sabendo, não vem me dizer que não tá!”.

O Jac teve um acesso de tosse violento, saiu da frente do computador, quase caiu no chão, demorou pra recuperar o fôlego, sentiu uma cãibra forte no peito e o estômago revirando, respirou fundo e devagar pra se restabelecer e retomar a conversa. Quando olhou pra tela de novo, o Sea tinha a cabeça baixa apoiada na mão, não parecia muito satisfeito com o resultado da notícia e o Jac teria acreditado nisso se não se lembrasse de que o Sea era um verdadeiro ator. Dissesse uma coisa, ele trepava com a Livi uma dúzia de vezes e já achava que ela era sua mulher por que? “Olha, cara, não-é-por-nada, mas eu acho que nunca tive que pagar pra ter ela comigo, se ela me deu foi porque quis e isso faz a minha relação com ela ser mais legítima que o papel que vocês assinaram... Mas sei lá, é questão de ponto de vista...”. As cãibras no peito aumentavam e a ira que aferventava todas as células dizia que a dor era da verdade. E a insegurança, coisa que o Jac sempre recalcou e rebocou na parede de pedra mais recôndita da alma, ela residia justamente nesse campo: o de Livi ter se casado sem o menor tesão, não importando sentimento que construíram depois. Mas apesar de todo esse peso, falava só isso: que o Sea por-favor tivesse o bom-senso de dar o endereço pra ele pegar a Olívia naquela hora, por-favor! “Jake, ela tá aqui porque quis. Você vai vir aqui, vai acordar ela? Vai puxar ela pelos cabelos e levar pra sua caverna? Vai dar nela? Vai ter uma conversa séria e definitiva aqui mesmo, na minha casa? Me fala, o que-que ce vai fazer? She’s not in chains... Think about it”.

De fato, sendo razoável qualquer um admitiria... Pois-é, tinha horas na vida em que ser razoável só atrapalhava e essa era uma. Mas fosse como fosse, por mais que o peito ardesse, não podia desconsiderar, se ela tava em plenas nove horas da manhã dormindo na casa dele, era porque queria sim. E daí não tinha mesmo nada racional a fazer – nossa!, como era forte o fumo! E olha que nem tava de jejum! –, se ela tava exercitando a livre vontade, tinha que agüentar quietinho. Quando ela voltasse, podia ver o que fazer. Podia pedir o divórcio mas não ia, não ia porque sairia perdendo muito mais do que ela pondo fim no casamento em menos de três anos, fracasso declarado na tentativa de ser hetero, pra deixar todo mundo passado... Não, tinha que ser outra coisa... Podia judiar dela de algum jeito, descontar no trabalho... Não, muito leve! Ter conversinha-séria também não ia adiantar... Apelar pra compaixão era desprezível... Vix! Que sinuca-de-bico!

“Jake! Fala comigo!” – mas que voz irritante!!!

Sim, o maldito ainda tava lá, tava até esquecendo! Tinha que responder... mas não tinha o que responder porque era verdade, tudo o que o Sea tinha dito era verdade mesmo, poderia preparar um discurso pra inverter o jogo mas seria blábláblá puro, retórica de advogado pra ganhar discussão, na prática seria gastar latim à toa. Restava só saber quando ela voltava.

“Segunda, segunda ela volta, vai direto trabalhar, tá?!” Segunda porra-nenhuma que ainda era sábado! Ela voltava hoje mesmo! “Jake, pára, cacete!, deixa de monopolizar a menina, ela gosta de mim, ela quer ficar comigo, deixa só agora. E outra, você sabe tão bem quanto eu que ela não vai te largar, ela vai voltar pra casa. Tenta ser menos possessivo porque hoje ela não vai voltar”. Daí o João Carlos já não sabia se ria ou chorava com o inusitado da situação, que de tão absurda já se tornava cômica. Deixar a esposa passar o fim-de com o outro era muita modernidade pra cabeça careta dele, ah!, era com-certeza. Ficou vendo a cara do Sea, que olhava pra câmera pra dar a impressão de que estava bem ali na frente – que habilidoso! Falava a coisa certa o tempo todo, né?! Conhecia bem a Livi... e o Jac por tabela, claro! Fazia tudo muito bem feito, muito premeditado, com uma precisão tamanha!, escolhia todos os gestos, todas as palavras e silêncios, chegava a ser viciante ver aquela dança de intenções, até merecia levar a mulher por causa disso, ao vencedor as batatas, né?! Ah-meu-deus!, o ciúmes tava até se relativizando, se tornando só um desejo morno por uma vingancinha, uma revanche no jogo (porque era claro que se tratava de um jogo, só podia ser!)... Uhn... Já que a Livi estaria longe, era o caso de arranjar alguém pra ir pra cama, só pra lustrar o ego que nessa altura já andava bem arranhado. Mais tarde podia pensar em alguma retaliação contra os dois... Ou só contra ela por ter deixado isso acontecer (ele tinha todo o direito de batalhar o que queria)... Melhor ainda, podia usar o Sea pra retaliar, ele podia ajudar sem nem perceber e o efeito seria bem mais devastador... Há-há-há! Tava bem então, o Sea podia ficar com ela hoje e amanhã, mas tinha condições. “Okay, it’s faire. So what do you want?” Pra começo, ela voltava no domingo ao cair da noite inapelavelmente. O Sea sorriu só com um dos lados do rosto, artificioso pra-caralho: “Yes, sir... What more can I say?”. Certo... Bom menino, era assim que ele gostava! Tinha mais coisa, queria conversar na segunda. “O que ces fizerem na segunda não me interessa, Jake, com-todo-respeito...” Não, não era com a Livi, era com ele-Sea mesmo, queria encontrar com ele. E prometia que não lhe enfiaria a mão na cara, muito embora o tesão fosse esse. Queria falar e iria e nem adiantava recusar, isso também não era negociável, se o Sea desaparecesse o Jac o achava rapidinho. “Don’t be afraid. I’ll be there, I’ll meet you” – muito impassível, impressionante mesmo. Estavam acertados então, cuidasse bem da Livi, não deixasse ela se esquecer da pílula que ela sempre esquecia. E segunda se encontravam num boteco da Augusta com a Fernando de Albuquerque por volta das sete. “Nossa, eu sempre tou lá, como é que ce acertou?” Ahah! O Jac acertava muito mais do que ele podia imaginar. Mas deixasse pra lá. Respondesse uma última curiosidade: como tinha convencido a Livi a ir até lá? Ela era sempre tão ciosa, se sentia culpada com qualquer besteira, como ela tinha tomado coragem pra ser tão audaciosa? “Ah, Jake, são as sujas lições do coração. Só sei que ela me pediu pra trazer... Fala com ela depois. Agora eu tenho outra pergunta pra você. Nesse nosso encontro de segunda, você acha que eu devia levar camisinha?” Ótima pergunta, mas que moço sagaz! Mas não ia responder nada, ia fazer bem o que estava fazendo agora, desligar a webcam e o micro em seguida, ele que se fodesse com a pergunta na garganta.
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