À
luz da lua cintilava, bela e noturna, numa profusão de brilhosinhos dourados:
assim era ela, a imagem que nunca se perderia em sua memória corrompida. Uma
mulher de pele de coco queimado e olhos de madrugada, velada por uma manta
dourada, toda ela... Todinha. Douravam poucos cachos no sarará desgrenhado,
douravam poucos raios no azul-negro dos olhos, dourava pele e pelos em cada
pedacinho do corpo. Dourava feito mel escorrendo em mogno, feito ouro bruto
perdido no cascalho.
Agora se movia lentamente e no movimento cintilava entre os lençóis, tão perdida nos sonhos profundos, sonhos maus talvez. Deitou-se ao lado dela com cuidado, não queria que acordasse por nada, mas era um cuidado mais fundado no amor mesmo, porque sabia, ela não acordaria facilmente. Entrava pela janela um facho de luz solar que clareava em vermelho os dedos da mão, parecia néon... Bom estar com ela, tocar os cabelos, sentir o compasso da respiração – isso acalmava. Fechava os olhos por um tempo procurando ter alguma sensação que a supremacia da visão apagava... Ah, o cheiro dela, cheiro de macadâmia... e o sabor de carne de caça fresca que tinha na boca. Deu vontade de provar o gosto dela toda, mas tinha esperado muito tempo pra vê-la ali, bem ao alcance das mãos, dormindo pra descanso de uma noite de dança, não estragaria nada por um desejo de sentidos. Ela, sua, muito sua, prisioneira do sono e toda sua... But not really close she was... Not really close… An angel sleeping is never close enough. Mas as pessoas nunca se aproximam de verdade, a gente tem a ilusão de estar junto, mas nunca está. É a nudez que dá essa ilusão, ficar sem roupa parece que aproxima as pessoas e era por isso que sempre gostava de tirar as roupas dela, foi por isso que insistiu tanto em esculpir tendo o corpo dela por modelo, pra se sentir bem junto dela, que se fodesse se fosse uma ilusão, não tinha nada de errado em ter prazer com ilusões.
E o sexo só atrapalhava esse tipo de coisa, só atrapalhava, my-god!!! Acabava com o que havia de suave na vida... Tornava tudo mais intenso, provocava reações adversas aos sentimentos e outros sentimentos que revoltavam os primeiros. Lembrava-se agora da noite do seu aniversário: tinha pensado em sexo com ela desde que despertara, maior idéia fixa. Mas teve de beber demais, como sempre, e ficou muito patético, como sempre, e quase magoou alguém, como sempre, e saiu muito magoado, como nunca. Havia ligado pra Liv, pedindo pelamordedelz pra que ela o encontrasse naquela festa nojenta, onde todo mundo tava incomunicável por causa das mais variadas drogas incluindo ele mesmo que, como não bastasse, ainda fedia terrivelmente a suor e a vômito – era claro que na demora dela pra chegar deu tempo de gorfar pelo menos duas vezes – nojo! E ela chegou simpática, querendo saber qual era a urgência do que ele tinha pra dizer e ele respondendo “let’s spend a night together, now I need you more than ever, blábláblá” e ela achando que ele tava de brincadeira, pedindo que ele dissesse logo porque queria tanto que ela estivesse ali, que tinha de ir embora logo... Puta, que coisa cretina, estava tão bêbado que nem conseguia organizar uma fala com sentido, mas conseguiu assim mesmo dizer que naquela noite precisava transar com alguém e só podia ser com ela porque gostava mais dela do que do resto da gente que estava por ali, mas o pior ainda foi pegar o pulso dela e forçar um abraço naquele quarto escuro, naquele chão imundo... A cara queimava só de lembrar, como é que pôde logo ele, sempre com tanto controle sobre o próprio corpo, to loose the fuckin head. Precisava parar de pensar naquilo, tinha medo que o tambor das pulsações nervosas retumbassem o bastante pra acordar aquela ninfazinha... Mas não dava pra esquecer fácil quando pensava, essa era a coisa. Foi triste demais ter acordado achando que havia ficado com ela finalmente, mas nem se lembrar de como tinha sido – não havia ficado absolutamente nada na memória dos sentidos, apenas algumas marcas de dentes e unhas pelo corpo, coisa muito aterradora, embora abrisse espaço pra idealizar e ter algum delírio mais bonito pra lembrar depois. Pior mesmo nem era isso! Pior mesmo foi ver o filme que o Juliano tinha gravado da festa! Isso foi o pior, uma das piores situações que lhe aconteceram em toda a vida, porque nesse maldito filme, a mulher que estava cavalgando sem roupa por cima dele não era a Liv (o nome que ele repetia convulsivamente) e nem ninguém que conhecia a ponto de se lembrar, era uma vaca que se divertiu com alguém que não estava em condições mentais ou físicas de dizer nada. Como foi que ela fez aquilo? O Sea jamais faria sexo com quem quer que fosse sem consentimento, muito pelo contrário, tinha verdadeira tara em que as pessoas pedissem, mais de uma vez até. Sentiu-se estuprado, no mínimo abusado, com raiva e com nojo de si mesmo por ter propiciado aquilo! Porque tinha parcela de culpa sim, não era só da slut a responsabilidade, muita covardia dizer que sim. Ficou deprimidíssimo por toda uma semana, não tinha meios de se olhar no espelho e nem de ver a Liv, que também devia estar cheia de náusea por causa do comportamento dele e nunca teria esperado que ele fosse tão grosseiro porque nunca era mesmo... Foi a bebida ou foi o fumo ou foi o padê ou foi a bala... A bala e a bebida, com certeza, não se deve beber e tomar bala, já devia saber. Que lixo de homem tinha se tornado, que beleza de réptil, isso sim, escroto, se contorcendo e se rastejando na sujeira do chão, a creep, muito apropriado! Passou dias achando que a Liv nunca mais seria a mesma de antes dessa noite e não saiu de casa pra nada amarrado por esse pensamento, mas foi tolice, porque ela era incrível e entendeu perfeitamente a falta de decoro ou de elegância ou até de decência. “Quem nunca causou em aniversário que atire a primeira pedra, né?”, não estava zangada e nem triste, só bastante irônica e silenciando pensamentos que ele nunca vai conhecer.
Porque ela era assim, doce-doce, espírito em repouso. No sono especialmente, por isso a deixava dormir. Mas já estava tarde e ela devia acordar dali a qualquer momento e seria um despertar extasiante, poderia dar beijos e beijos e beijos e fazer tanto carinho nela... Era bom, ela gostava e dava um prazer imenso fazer coisas de que ela gostasse. Tinha a tarde toda pra isso e mais a madrugada seguinte e a tarde seguinte e a próxima madrugada, não queria nem pensar em voltar pra São Paulo. Oh, sweetness! Fazia mais de quinze anos que o Sea não dormia ao lado de alguém sem tentar transar, mas essa tinha sido a condição da Liv pra dividirem o quarto durante a viagem, que apenas dormissem. Até que era bom sim, com ela fazia muito sentido isso de amar sem sexo, era muito... não sabia definir, não tinha palavras, achava que um suspiro bem profundo conceituava melhor, não tinha passado por isso antes... Mas era alguma coisa com a alma, alguma coisa mais romântica que chorar de paixão. Apesar disso, achava que a determinação dela não duraria muito, a dele mesmo não estava durando, seu corpo carecia urgentemente do toque dela, mas qualquer iniciativa precisava partir dela. Assim, esperava... que ela se cansasse do sono... que ela se cansasse das superfícies... que ela se cansasse de sua solitude morena.
Agora se movia lentamente e no movimento cintilava entre os lençóis, tão perdida nos sonhos profundos, sonhos maus talvez. Deitou-se ao lado dela com cuidado, não queria que acordasse por nada, mas era um cuidado mais fundado no amor mesmo, porque sabia, ela não acordaria facilmente. Entrava pela janela um facho de luz solar que clareava em vermelho os dedos da mão, parecia néon... Bom estar com ela, tocar os cabelos, sentir o compasso da respiração – isso acalmava. Fechava os olhos por um tempo procurando ter alguma sensação que a supremacia da visão apagava... Ah, o cheiro dela, cheiro de macadâmia... e o sabor de carne de caça fresca que tinha na boca. Deu vontade de provar o gosto dela toda, mas tinha esperado muito tempo pra vê-la ali, bem ao alcance das mãos, dormindo pra descanso de uma noite de dança, não estragaria nada por um desejo de sentidos. Ela, sua, muito sua, prisioneira do sono e toda sua... But not really close she was... Not really close… An angel sleeping is never close enough. Mas as pessoas nunca se aproximam de verdade, a gente tem a ilusão de estar junto, mas nunca está. É a nudez que dá essa ilusão, ficar sem roupa parece que aproxima as pessoas e era por isso que sempre gostava de tirar as roupas dela, foi por isso que insistiu tanto em esculpir tendo o corpo dela por modelo, pra se sentir bem junto dela, que se fodesse se fosse uma ilusão, não tinha nada de errado em ter prazer com ilusões.
E o sexo só atrapalhava esse tipo de coisa, só atrapalhava, my-god!!! Acabava com o que havia de suave na vida... Tornava tudo mais intenso, provocava reações adversas aos sentimentos e outros sentimentos que revoltavam os primeiros. Lembrava-se agora da noite do seu aniversário: tinha pensado em sexo com ela desde que despertara, maior idéia fixa. Mas teve de beber demais, como sempre, e ficou muito patético, como sempre, e quase magoou alguém, como sempre, e saiu muito magoado, como nunca. Havia ligado pra Liv, pedindo pelamordedelz pra que ela o encontrasse naquela festa nojenta, onde todo mundo tava incomunicável por causa das mais variadas drogas incluindo ele mesmo que, como não bastasse, ainda fedia terrivelmente a suor e a vômito – era claro que na demora dela pra chegar deu tempo de gorfar pelo menos duas vezes – nojo! E ela chegou simpática, querendo saber qual era a urgência do que ele tinha pra dizer e ele respondendo “let’s spend a night together, now I need you more than ever, blábláblá” e ela achando que ele tava de brincadeira, pedindo que ele dissesse logo porque queria tanto que ela estivesse ali, que tinha de ir embora logo... Puta, que coisa cretina, estava tão bêbado que nem conseguia organizar uma fala com sentido, mas conseguiu assim mesmo dizer que naquela noite precisava transar com alguém e só podia ser com ela porque gostava mais dela do que do resto da gente que estava por ali, mas o pior ainda foi pegar o pulso dela e forçar um abraço naquele quarto escuro, naquele chão imundo... A cara queimava só de lembrar, como é que pôde logo ele, sempre com tanto controle sobre o próprio corpo, to loose the fuckin head. Precisava parar de pensar naquilo, tinha medo que o tambor das pulsações nervosas retumbassem o bastante pra acordar aquela ninfazinha... Mas não dava pra esquecer fácil quando pensava, essa era a coisa. Foi triste demais ter acordado achando que havia ficado com ela finalmente, mas nem se lembrar de como tinha sido – não havia ficado absolutamente nada na memória dos sentidos, apenas algumas marcas de dentes e unhas pelo corpo, coisa muito aterradora, embora abrisse espaço pra idealizar e ter algum delírio mais bonito pra lembrar depois. Pior mesmo nem era isso! Pior mesmo foi ver o filme que o Juliano tinha gravado da festa! Isso foi o pior, uma das piores situações que lhe aconteceram em toda a vida, porque nesse maldito filme, a mulher que estava cavalgando sem roupa por cima dele não era a Liv (o nome que ele repetia convulsivamente) e nem ninguém que conhecia a ponto de se lembrar, era uma vaca que se divertiu com alguém que não estava em condições mentais ou físicas de dizer nada. Como foi que ela fez aquilo? O Sea jamais faria sexo com quem quer que fosse sem consentimento, muito pelo contrário, tinha verdadeira tara em que as pessoas pedissem, mais de uma vez até. Sentiu-se estuprado, no mínimo abusado, com raiva e com nojo de si mesmo por ter propiciado aquilo! Porque tinha parcela de culpa sim, não era só da slut a responsabilidade, muita covardia dizer que sim. Ficou deprimidíssimo por toda uma semana, não tinha meios de se olhar no espelho e nem de ver a Liv, que também devia estar cheia de náusea por causa do comportamento dele e nunca teria esperado que ele fosse tão grosseiro porque nunca era mesmo... Foi a bebida ou foi o fumo ou foi o padê ou foi a bala... A bala e a bebida, com certeza, não se deve beber e tomar bala, já devia saber. Que lixo de homem tinha se tornado, que beleza de réptil, isso sim, escroto, se contorcendo e se rastejando na sujeira do chão, a creep, muito apropriado! Passou dias achando que a Liv nunca mais seria a mesma de antes dessa noite e não saiu de casa pra nada amarrado por esse pensamento, mas foi tolice, porque ela era incrível e entendeu perfeitamente a falta de decoro ou de elegância ou até de decência. “Quem nunca causou em aniversário que atire a primeira pedra, né?”, não estava zangada e nem triste, só bastante irônica e silenciando pensamentos que ele nunca vai conhecer.
Porque ela era assim, doce-doce, espírito em repouso. No sono especialmente, por isso a deixava dormir. Mas já estava tarde e ela devia acordar dali a qualquer momento e seria um despertar extasiante, poderia dar beijos e beijos e beijos e fazer tanto carinho nela... Era bom, ela gostava e dava um prazer imenso fazer coisas de que ela gostasse. Tinha a tarde toda pra isso e mais a madrugada seguinte e a tarde seguinte e a próxima madrugada, não queria nem pensar em voltar pra São Paulo. Oh, sweetness! Fazia mais de quinze anos que o Sea não dormia ao lado de alguém sem tentar transar, mas essa tinha sido a condição da Liv pra dividirem o quarto durante a viagem, que apenas dormissem. Até que era bom sim, com ela fazia muito sentido isso de amar sem sexo, era muito... não sabia definir, não tinha palavras, achava que um suspiro bem profundo conceituava melhor, não tinha passado por isso antes... Mas era alguma coisa com a alma, alguma coisa mais romântica que chorar de paixão. Apesar disso, achava que a determinação dela não duraria muito, a dele mesmo não estava durando, seu corpo carecia urgentemente do toque dela, mas qualquer iniciativa precisava partir dela. Assim, esperava... que ela se cansasse do sono... que ela se cansasse das superfícies... que ela se cansasse de sua solitude morena.
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