12 de dezembro de 2007

7. o vento e as ondas

...Olívia sabia que já não era mais o narrador da própria vida. Não era mais...
“You just can’t relax...” Desculpasse, estava pensando em tanta coisa... “So don’t! Just relax!” Tinha que tentar... Não entendia bem a razão por que tinha de estar relaxada, era apenas um rascunho de escultura. Mas se o Sea dizia, era que tinha de ser. Se bem o conhecia, dali a pouco ele seguraria seu rosto entre as mãos (aquelas mãos tão lindas!), fecharia os olhos, tornaria a abrir e tiraria dos dentes um barulhinho sibilante, ordenando que ela se acalmasse. Pronto, já acontecendo: “Schssssssssssssssssssssssssssss...” As mãos dele eram quentes e longas e estreitas e imperativas, ao menos com a Livi eram assim... Não importava o que ele queria fazer com ela, se ele pousava as mãos, era obrigada a obedecer. E agora, ordenava que descontraísse os músculos, mas ela estava de fato muito tensa e não sabia como faria.
“É o seu marido-viado que te deixa assim nervosa, é? Okay... vamos ver... vamos ver... Ah...” Na verdade era o Jac sim mas era por causa do trabalho que... “Schsssssssssssssss... Tira o resto da roupa... Isso, a calcinha também... Calma, não fica vermelha...” A Livi não sabia o que fazer, sentiu uma fisgada forte nos ombros e uma onda de calor e eletricidade saindo do estômago e lhe encharcando todo o corpo, respirava com dificuldade. Estava com o juízo suspenso e não sabia bem como se comportar, confusa, confusa, confusa, mas o que era que havia ali? Queria muito saber o que se passava pela cabeça do Sea... Lidar com ele era como se lançar no oceano sem bússola, ele não dava muitos sinais de suas intenções como as pessoas normais faziam... E havia se acostumado ao João Carlos, um cara totalmente claro, totalmente transparente e tão sólido...

Mas começou a relaxar mesmo... Ah, era tão bom... Não havia notado, deixou de prestar atenção, mas já estava nua, deitada... e o Sea passava as mãos por toda a extensão de seu corpo, com firmeza mas sem força, sem hesitar e sem nenhuma sensualidade expressa. “Parece que o vento esculpiu seu corpo...” Quase não ouviu, tão embriagada que estava com aquela carícia macia... quente... Derretia, derretia toda e as mãos dele a recompunham e modelavam e passeavam por ali e por lá... Seus lábios se encheram de sangue, os seios endureceram, era um desejo animalmente intenso que sentia agora... Teve vergonha, mas não quis pensar nisso por hora, preferia deixar sua pele numa entrega passiva por todo tempo que fosse possível – “não está acontecendo nada, não tenho que ter medo”. Simplesmente se abandonou... Os pelos do corpo se ergueram em resposta automática a um toque na coxa, ela arfou... e ele percebeu. Percebeu – “Droga!” – e deixou isso bem claro, acabou com o transe imediatamente: o filhodaputa teve a cara-de-pau de lamber a ponta do indicador e percorrer com ele o espaço entre os seios, tudo muito ligeiro. Mas o que era aquilo!? Foi o que disse, mas os olhos queriam saber se ele a queria também e continuou quase sussurrando: “Por que é que você se sente tão à vontade em pôr as mãos no meu corpo?” Voltou a estar tensa, a boca seca, os ombros de aço, não conseguia olhar a cara dele e se lembrava de uma novela que havia lido, “uma coisa é buriti outra é buritirana”. O ar ia ficando muito rarefeito, sem ventilar nada nada, muito ruim de respirar. No final, não tinha gostado de dizer nada daquilo, nunca era bom falar nessas horas.

Nunca era bom falar nessas horas e, bobeando, o Sea sabia disso porque em vez de responder lançou os olhos aos dela, até que ela olhasse de volta. Depois, piscou bem lentamente, inclinou a cabeça um pouco e sorriu, rolava os dedos uns pelos outros, parecia uma menininha arteira, mas de um instante pra outro parou com o dengo e a encarou com um sorriso bem sério, desses que dão firmeza pra gente, e era assim que lhe dizia: ela era bem sua, era bem sua mesmo, tinha nada que ter vergonha de estar nua.
Mas nada, nada disso. E se estivesse enganada, ia saber? Uma coisa é buriti outra é buritirana, essa era só uma das leituras possíveis pra o olhar do Sea. Não tinha como saber. Mas sabia que era dele agora... e que tinha mais um motivo pra achar que já não estava mais narrando a própria história. Sea lhe oferecia a mão para que se levantasse e um hobbie. Oferecia uma atmosfera praieira e a voz mais reconfortante “Such a perfect day... I’m glad I spent it with you...” Gostava dessa música. E ele sabia? Sabia como? Ela nunca havia... Ah! Era a cara dela? Era mesmo? E por que? Não falaria? Que chato!!! E quando ficaria pronto o trabalho? Queria ver... Só na exposição? Como assim, que grosseiro! Era ela a modelo, porra! Tinha que deixar ver sim senhor, se não ela não pousaria mais. Seria, seria uma pena sim, ela também achava, mas fazer o que, não? Hahaha! Precisava voltar, voltar e estudar um pouco. Podia sim ir ao ensaio, embora estivesse um pouco cansada. Não se incomodava em ir não, maneira nenhuma. Ele iria, não? Então estava bom... Estava com cara de chuva lá fora, achava que não voltaria à pé com ele não, chegaria encharcada. Mas era bom que chovesse, o tempo estava muito seco, muita poluição...

“Às vezes você desembesta a falar umas coisas que não tem a ver com você e não significam nada... É querendo dizer outras que você faz isso, não é?” Nossa, mas que coisa, o Sea tinha mesmo que procurar entrelinhas em tudo por que? “Oh, sorry!!! Se não é isso é o que esse blábláblá? Você tá stressada, Liv? Tá parecendo...” Sim, estava. O Jac... Ele a enlouquecia quando queria... “Ah, é isso... Esse cara... Mas que homem você foi arrumar, hein!” – bem sarcástico. Ah, o Sea devia estar de sacanagem! Ela não arrumou nada, ela foi arrumada pelo João Carlos. “E como é que vocês tão?” – pra falar dessas coisas o Sea ficava todo sério, ela se sentia quase num divã. Estavam do mesmo jeito, ele mandando, ela contestando no começo e obedecendo no final. Era sempre assim. Ele vinha dando pra encher o saco por causa de trabalho agora. Nunca nada do que ela fazia era bom o bastante, ele tinha sempre que chamar atenção, que corrigir alguma coisinha, perfeccionista pra caralho! Era foda! Enchia demais o saco! Daí chegava e achava que tinha que ficar tudo bem em casa, que não tinha que levar stress de trampo pra cama e que uma-coisa-uma-coisa-outra-coisa-outra-coisa, que não tinha nada que ficar de mau-humor por aí... “Sei... sei... E, deixa perguntar... Depois desses discursos ele quer transar também, é?” Ah, nem sempre, mas em geral sim. Muitas vezes sim. “E você deixa ele transar com você, suponho...” Muitas vezes não. “Então tem vezes que sim, é isso? Conta pra mim!” Ele sabia que sim. “Mas me conta, querida, como é isso? Você gosta?” Era claro que não gostava, mas às vezes acabava cedendo por uma razão ou outra. Mas que curiosidade mórbida aquela! O Sea estava sorrindo grossamente, meio cínico. Provavelmente sabia que ela se desconfortava falando de sexo e perguntava de propósito. “Escuta, Liv, tem alguma vez em que você goste de dar pra ele?” Mas que porra era aquela!? Que grosso! Era dela que ele estava falando! – na verdade, estava mais tensa do que envergonhada com o vocabulário, mas não queria transparecer, embora achasse que não conseguia. “Não precisa esquentar, Liv, pode falar numa boa... Juro que não vou te chamar de mal-comida” – sorriu fazendo cara de bonzinho, o filhodaputa – era claro que ele havia notado a tensão. Ficava antipático com aquela cara. “I’m just tryin’ to be your friend…” Certo... certinho... Depois falariam disso então... “Você deve ficar mal com essa história, ãh?” Queria saber? Deixava, deixava então, estava bem, já o conhecia o bastante pra saber que ia insistir no assunto até ter uma resposta. Estava bem, tinha vezes que ela gostava sim de ficar com o Jac, mas era claro que tinha, porque se nunca gostasse de nada, se nunquinha gostasse de nadinha, depois de sete meses de casada já teria tentado suicídio, mas era claro que já teria. “Sei, sei... E em que condições você gosta?” Em que condições? Perguntinha capciosa, não! Ele fazia sinal afirmativo com a cabeça, sempre, sempre sorrindo. Bem... Não sabia exatamente qual era a química certa pra ela gostar do Jac, mas cachaça ajudava bem... E às vezes, quando estava com muita raiva... Ah, deixasse pra lá, estava atrasada. Até depois! “Como até depois? Espera aí, me conta isso direito! Espera... Tá fugindo mesmo? Tudo bem, Lívia, você me paga! Me dá só um tempinho pra pensar no que fazer...” Nada, ia antes que ele retaliasse. Foi-se embora sem beijinho de despedida.

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