Havia mais de uma hora que Liv estava em pé, parada, olhando
longe a linha de horizonte, onde o céu tocava a água da represa, mas de fato
não estava vendo nada. O Sea já devia estar se acostumando aos longos seus
silêncios, mas dessa vez parecia fazer questão de quebrar esse equilíbrio sutil
que unia a Livi ao movimento natural do mundo. “Hey... Hey, sexy! Lookin for
the other side of the river?” – sorria simpaticamente, inocentemente (dava
pena). O outro lado do rio? Não, a terceira margem, na verdade – a voz
carregada da velhice da noite. “A terceira margem, Liv?” – sorriso já desfeito
sob efeito do olhar silencioso e vazio de sentidos dela, olhar incômodo, que
persistiu firme por muitos instantes, até que ela pedisse pra ele repetir
depois dela: ce vai, ocê fique, você nunca mais volte aqui. “Ce vai, ocê fique,
você... Liv, não! Não, amor, para. Que é isso? Liv, sou eu, you see. Don’t...
Don’t do it! I’m afraid...” Mas não havia o que temer, deixasse de bobagem, a
vida era assim mesmo, a gente transitava, nunca parava. “Não, Liv, para com
isso, eu não quero te ouvir falando isso, eu te amo... Não tem isso de
transitar, eu parei de transitar pra ficar com você”. Havia parado mesmo? A Liv
não tinha percebido – falava devagar, não tinha pressa, era como quando se é criança
e se deve abandonar a casa de praia mais gostosa porque as férias se acabaram,
uma chateação inevitável, mas que não dá pressa de realizar. A cara do Sea
estava muito sombria, devia estar se contorcendo por dentro e a Livi não queria
isso, não queria, nunca quis ver ninguém sofrendo, não gostava de causar
impacto, mas não podia fazer diferente agora, era ela ou ele. Ironias da vida,
justamente a Livi fugindo dele (ela sempre supôs que seria o contrário); um
tédio tremendo tomou conta dela, as articulações iam ficando menos e menos
firmes e um cansaço imediato retesava seus ombros e pernas e costas. Quanto a
ele, mordia um dos dedos com força e olhava pra onde não sabia, uma criança em
sérios apuros, era terrível, a Livi nunca estava pronta o bastante para as separações.
E agora umas lágrimas grossas caíam involuntárias e livres dos olhos do Sea,
que tentou dizer qualquer coisa, mas não mais tinha voz. As lágrimas caíam bem
no ânimo da Livi e inundavam num minuto, maré cheia de repente, afogando os
pensamentos... A imagem do Sea se tornava débil minuto após minuto, mas tanto
que machucava a quem via. Mas não, ela não tinha espaço pra vacilar. Escutasse,
por favor, sabia que tinha de ser assim, não havia mais o que fazer. Tinha
acontecido muita coisa com ela, muita coisa entre eles e a morte do pai só
tinha feito tudo parecer mais doloroso e intenso, sabia lá. Fato era que não
estava preparada pra segurar aquela barra toda sozinha... “Ah, no love! You’re
not alone! Just gimme your hand. You know, you’re not alone. I’ll help you the
pain…” Mas não, já havia ouvido isso antes! (estava passando da compaixão à
impaciência em questão de segundos). Até nessas horas uma interpretação… Fosse
ele mesmo uma vez, pelamordedelz, o show tinha acabado, parasse de interpretar
um pesar que sentia de verdade! Deixasse disso, não dificultasse as coisas. E
outra coisa, ela não estava sozinha porque tinha a ele, tudo bem, mas quem ele
teria, em quem se apoiaria? No Marcos, era? Não, não podia ser, ele também
precisava se apoiar em alguém, não dava pra negar isso e o Sea não tinha apoio
nem pra si mesmo, nem pra Livi, nem pra Marcos... “Just shut your mouth,
please, don’t say anything... I... no honey… You’re striking me! Look... Eu
volto a tomar meus remédios, se é esse o caso, okey? Eu, eu vou ficar bom de
novo, prometo…” Sim, ele prometia e era verdade agora, mas dali a pouco não
seria mais, de que adiantava? Não, deixasse, não ia mudar de ideia, por mais
triste que ficasse. Deixasse... “But I just can’t! I can’t let you go, Liv, I
just can’t do it… Cause I love you, I love you, I love you…” Parasse com
aquilo! Lembrava do que havia dito a ela antes de assumirem o caso? Amor era a
palavra amor, não era? Pois continuava sendo, mas agora já não tinha poesia.
Lamentava, lamentava profundamente... Mas já estava com as coisas arrumadas,
pegaria agora um táxi, iria pra casa do Sea e tiraria suas coisas de lá.
Partiria pra outro país dali a cinco dias. “Mas pra onde é que você vai, Liv?”
Pra Argentina, já havia dito que queria ir pra lá estudar por uns seis meses.
Mas se achasse como se manter, não voltaria mais. Havia pedido demissão no
trabalho, estava só organizando as coisas mesmo. O Sea tremia no queixo e a
cabeça devia doer alucinantemente, porque ele a segurava entre as mãos e
fechava muito os olhos. Desesperava-se: “Liv, como foi que você... Você já tá
de partida faz tempo e não me fala nada... Por que?” Ela não tinha o que falar,
cabia a ele prestar atenção, ela se preparava já fazia um mês. Diria o que? Que
estava indo embora em suaves prestações de avisos prévios, entre uma trepada e
outra? Pelamordedelz, fizesse o favor!
A crueldade do silêncio imperou tiranicamente por mais outro longo tempo, enquanto os olhos da Livi se avermelhavam e o Sea já não tinha mais unhas pra roer e nem dedos pra morder que já não estivessem bem machucados. Parava de chorar: “E... me diz uma coisa... O Jake já sabe que você tá indo? Acho que sim, né? Foi pra ele que você foi pedir as contas no trabalho, né?” Sim, o Jac sabia, e não que seu desconhecimento mudasse alguma coisa, mas foi o primeiro a ser comunicado, bem por conta do trabalho mesmo, estava inclusive ajudando com alguns detalhes. “Ele está te ajudando a fugir pra sempre? Que porra de amor é esse dele?” Bastava, não queria falar sobre o João. Desse beijos, todos os beijos do mundo, e ela iria dali a pouco. O Sea suspirou fundo, sugeriu: “Não prefere fazer amor comigo? Despedida, vai!” Mas era claro que não tinha desejo nenhum, queria apenas agradar a Livi, que muito singelamente sorriu, não precisava que o Sea ficasse nem um pouquinho mais chateado do que o inevitável. Acariciou seu rosto, abraçou forte. Era isso o que ele queria, queria mesmo fazer amor? “Eu quero você... Se você quiser, a gente faz, não tenho problema quanto a isso... Você gosta tanto...” Era sim, gostava, mas não achava que seria bom dessa vez, desse jeito... “Ce tá certa... Tou muito mal, vou acabar brochando toscamente. Tudo bem então, mas fica comigo, até o dia terminar, deixa anoitecer, passa aqui mais essa noite, que diferença faz?... Please, stay one more night... Eu acho que é isso o que os amantes sempre pedem antes de dizer adeus, né? A gente sempre acaba caindo no clichê quando se trata de amor...” Livi riu outra vez, cedia sim, um pouco por amor, um tanto por alívio. Passaram a noite juntos, não tocaram mais em assunto de ir embora. Dormiram muito agarrados, acordaram cedo e o Sea se esforçou o quanto pôde pra dar a ela o melhor sexo da sua vida. Implorou que ela dissesse que ainda voltaria, mesmo que fosse mentira, não importava, que voltaria e procuraria por ele; prometeu escrever todos os dias, mesmo que ela não respondesse. E ela se foi... Sem mais lágrimas, sem mais protestos, apenas se foi.
A crueldade do silêncio imperou tiranicamente por mais outro longo tempo, enquanto os olhos da Livi se avermelhavam e o Sea já não tinha mais unhas pra roer e nem dedos pra morder que já não estivessem bem machucados. Parava de chorar: “E... me diz uma coisa... O Jake já sabe que você tá indo? Acho que sim, né? Foi pra ele que você foi pedir as contas no trabalho, né?” Sim, o Jac sabia, e não que seu desconhecimento mudasse alguma coisa, mas foi o primeiro a ser comunicado, bem por conta do trabalho mesmo, estava inclusive ajudando com alguns detalhes. “Ele está te ajudando a fugir pra sempre? Que porra de amor é esse dele?” Bastava, não queria falar sobre o João. Desse beijos, todos os beijos do mundo, e ela iria dali a pouco. O Sea suspirou fundo, sugeriu: “Não prefere fazer amor comigo? Despedida, vai!” Mas era claro que não tinha desejo nenhum, queria apenas agradar a Livi, que muito singelamente sorriu, não precisava que o Sea ficasse nem um pouquinho mais chateado do que o inevitável. Acariciou seu rosto, abraçou forte. Era isso o que ele queria, queria mesmo fazer amor? “Eu quero você... Se você quiser, a gente faz, não tenho problema quanto a isso... Você gosta tanto...” Era sim, gostava, mas não achava que seria bom dessa vez, desse jeito... “Ce tá certa... Tou muito mal, vou acabar brochando toscamente. Tudo bem então, mas fica comigo, até o dia terminar, deixa anoitecer, passa aqui mais essa noite, que diferença faz?... Please, stay one more night... Eu acho que é isso o que os amantes sempre pedem antes de dizer adeus, né? A gente sempre acaba caindo no clichê quando se trata de amor...” Livi riu outra vez, cedia sim, um pouco por amor, um tanto por alívio. Passaram a noite juntos, não tocaram mais em assunto de ir embora. Dormiram muito agarrados, acordaram cedo e o Sea se esforçou o quanto pôde pra dar a ela o melhor sexo da sua vida. Implorou que ela dissesse que ainda voltaria, mesmo que fosse mentira, não importava, que voltaria e procuraria por ele; prometeu escrever todos os dias, mesmo que ela não respondesse. E ela se foi... Sem mais lágrimas, sem mais protestos, apenas se foi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário